Ushuaia e Glaciar Perito Moreno

Relato de uma viagem de motocicleta ao extremo sul da América Latina: Ushuaia.

Dia dezesseis de março, uma segunda-feira fria e úmida em Ushuaia, na Terra do Fogo. Fazia duas semanas que havíamos partido da Grande São Paulo com destino à Ushuaia, no ponto mais austral da Argentina, e dizem, do mundo. Mal tínhamos acabado de conquistar “El Fin Del Mundo” (Ushuaia) já estávamos partindo atrás do próximo destino de nossa viagem: a cidade de El Calafate – lar do Glaciar Perito Moreno. Nossas malas já se encontravam devidamente alocadas nas motos. A minha XT660 R acompanhava bem o ritmo da KTM 990 Adventure do meu companheiro de viagem, Adriano Vanderstappen e, mesmo elas, já pareciam estar ansiosas para voltar à estrada.

A empolgação era a mesma do início da viagem e a vontade era grande em conhecer o Glaciar. Pretendíamos rodar os 900 quilômetros que separam Ushuaia da bela cidade de El Calafate num só dia, mas fomos obrigados a fazer escala em Rio Gallegos. Disse que “fomos obrigados”, pois encaramos um vento fortíssimo durante todo o percurso, de Ushuaia até lá. Para se ter uma idéia do quanto isso prejudicou nosso rendimento, fizemos este trecho de seiscentos quilômetros (Ushuaia – R.Gallegos) em cerca de doze horas.

Placa indicando a distância para Ushuaia
Esta foto é de 2019, quando retornei novamente à Ushuaia

 Nesta etapa, tivemos de cruzar os cento e cinqüenta quilômetros de estrada não asfaltada em território chileno pela RN-257 (ruta – estrada – nacional nr° 257). Ela tem seu pavimento feito de rípio, uma espécie de cascalho que não permite médias de velocidades muito altas, sendo que, se quiséssemos manter um bom nível de segurança, teríamos de rodar a velocidades em torno de 90 km/h, aproximadamente. Além disso, a travessia do Estreito de Magalhães foi feita já durante a noite, sob um vento constante e muito forte, o que nos atrasou ainda mais. Demos sorte de chegar ao ponto de embarque e encontrar o transbordador (navio que faz a travessia) de portas abertas nos esperando. Entramos, estacionamos as motos em segurança, pagamos a tarifa de embarque e corremos para dentro da cabine de passageiros, devidamente aquecida. Pode parecer piegas, mas o sentimento de se estar num lugar histórico como o Estreito de Magalhães – em meio à desolação e a sensação de isolamento – nos traz o sabor de sermos um pouco exploradores, também.

Chegamos a Rio Gallegos por volta das 22h30, após cruzarmos o Paso de Integracíon Austral – fronteira do Chile com a Argentina. Dormimos em um hotel de nível muito baixo – o mais barato de toda a viagem – pois estávamos cansados e sem muita vontade de procurar coisa melhor. Um fato engraçado foi que nesta noite dormimos praticamente vestidos com o equipamento de viagem. Na manhã seguinte saímos rapidamente do hotel e fomos abastecer as motos e nossos estômagos. Partimos de Rio Gallegos por volta das 10h00 da manhã e seguimos pela Ruta 5, estrada que nos levaria em direção noroeste e ao encontro de El Calafate. Nesta estrada encaramos um dos trechos de maior incidência de ventos fortes em nossa viagem, ou pelo menos foi o trecho em que o vento mais nos incomodou. Eu explico. O vento soprava tão forte que influenciou no rendimento da minha motocicleta de maneira muito significativa: na ida para El Calafate – com vento contra, ela fez 14 km/l a uma velocidade de 90km/h. Na volta – com o vento forte a favor – a XT 660 R fez média de 24km/l a uma velocidade de 120/130 km/h. Além da necessidade de pilotarmos constantemente com a moto inclinada. Foram sem dúvida os 300 quilômetros (ida) mais chatos da viagem. Sol e uma temperatura amena, na casa dos 18°C, nos acompanharam durante este dia.

Travessia do Estreito de Magalhães, na Terra do Fogo

Às 16h00 chegamos à El Calafate e depois de uma exaustiva pilotagem lutando com o vento, a busca por hospedagem foi rápida. A oferta de hotéis na região de El Calafate é boa e atende todos os tipos de público, com hotéis de alto e médio padrão, mas o destaque fica para os hotéis destinados ao público mais jovem e aos mochileiros. Na pousada onde ficamos éramos os únicos que chegaram lá por meios próprios (motocicleta), sendo que o restante dos hóspedes era composto por mochileiros em sua totalidade. Instalamo-nos na região do velho aeroporto, um pouco afastado do centro, onde há uma curiosidade: a distribuição do bairro se faz a partir da pista de pouso do antigo aeroporto, muito larga e pavimentada em contraste com as ruas transversais que são de terra batida, nem tão largas e sinuosas.

A cidade de El Calafate, fundada em dezembro de 1927, se estende ao longo de uma grande avenida, chamada Avenida do Libertador. Ao norte desta avenida ficam o Lago Argentino e um bairro plano com muitas residências, restaurantes, agências de turismo e comércio variado. Ao sul, começam as ladeiras ao sopé dos Andes. O nome El Calafate vem de um arbusto chamado Calafate (Buxifolia de Berberis) de folhas pequenas, com espinhos e cuja flor possui um tom de amarelo pálido. A lenda local diz quem come o Calafate (fruto) sempre retornará à região. A cidade também é sede da administração do Parque Nacional Los Glaciares.

À noite, rodamos pela cidade em busca de uma boa agência de turismo que nos levasse ao maior astro dá região: o Glaciar Perito Moreno. Durante o bate-papo com a atendente da agência descobrimos que El Calafate tem várias opções turísticas que vão muito além do Glaciar, como por exemplo, a Laguna Nimez que fica a cerca de um quilômetro do centro da cidade e onde vivem mais de oitenta espécies de pássaros, entre eles, flamingos, cisnes de pescoço preto, patos, etc. Já no pequeno Museo Regional de El Calafate se pode observar material arqueológico, além de aprender sobre a fauna e flora local e sobre como evoluiu o ser humano naquela região. Tem também o Bosque Petrificado La Leona, já na Ruta 40 onde é possível observar ossos de dinossauros e troncos de árvores petrificados. Além de todos os roteiros tradicionais, existem opções como passeios em veículos 4×4, sobrevôos panorâmicos pela região, pesca esportiva nos rios locais, visitas a “estâncias” (fazendas) abertas ao público ou ainda aluguel de quadriciclos para os turistas mais descolados. Outra cidade próxima – duzentos quilômetros – e também repleta de atrações, mas que acabou ficando de fora deste nosso passeio é a cidade de El Chálten.

Haviam opções de caminhadas sobre o Glaciar ou ainda, excursões náuticas com duração a partir de dois dias e pernoite numa das fazendas locais mas como nosso cronograma estava apertado – e ainda tínhamos cerca de seis mil quilômetros para percorrer até chegar novamente em casa – optamos pela visita monitorada ao Glaciar Perito Moreno que durava cerca de seis horas. Com direito a ônibus nos buscando na porta da pousada, guia bilíngüe, etc. Deixamos tudo certo para a manhã seguinte e fomos nos recolher, pois o dia prometia.

Eram 8h15 da manhã do dia dezoito de março e o ônibus de turismo encostava-se à porta da pousada para buscar não apenas a nós, mas também outras pessoas que estavam hospedadas na mesma pousada. Nosso veículo que estava bem vazio quando nos pegou, foi lotando aos poucos conforme parava em outras pousadas e hotéis. Quando finalmente pegamos a estrada em direção ao Glaciar Perito Moreno – que fica à cerca de 80kms de El Calafate – o ônibus se encontrava cheio mais não lotado. O sol só nos alcançou com seus raios já na estrada, a meio caminho do nosso destino.

A primeira parada foi para um passeio de barco que chega à apenas duzentos metros de distância da imensa parede de gelo do Glaciar Perito Moreno. Aliás, parede esta que possui impressionantes sessenta metros de altura e cerca de cinco quilômetros de comprimento, e está em constante movimento. Sua imponência nos faz lembrar quanto o homem é pequeno diante da natureza. O barco parte de Puerto Bajo Las Sombras, situado no Brazo Rico (um dos diversos braços do Lago Argentino) e percorre o lado da geleira que fica ao Sul da península de Magalhães (que nada tem a ver com o estreito homônimo) e dura cerca de uma hora.

Além da emoção de chegar tão perto da geleira, vimos também enormes pedaços de gelo boiando próximos ao barco. Pequenos Icebergs se comparados aos encontrados em mar aberto mas grandes o suficiente para intimidar a nós, turistas. A cor da água do lago é de um azul transparente de causar inveja a muitas piscinas. É pura água de degelo. No barco acabamos tendo um contato mais próximo com os outros turistas – de tanto um pedir pro outro “bater uma foto”, “sacar una chapa” ou ainda “take a Picture, please!” – e pudemos perceber que a grande maioria dos turistas era de outro continente. O inglês, alemão e francês eram constantemente ouvidos, disputando muitas vezes com o castelhano nativo e até o nosso “portunhol”.

De volta à terra firme, seguimos viagem até o centro de visitantes do Parque Nacional Los Glaciares que fica localizado logo à frente do Glaciar Perito Moreno e que possui diversas plataformas e balcões elevados do solo para passeios a pé ou simples observação da geleira. O Glaciar Perito Moreno é considerado a única geleira ainda em crescimento no planeta, mesmo após os efeitos do aquecimento global se fazerem presentes. Segundo nossa guia turística o Glaciar cresce cerca de um metro por dia. Esse crescimento faz com que a parte frontal da geleira se quebre constantemente nos propiciando espetáculos fabulosos com a queda dos enormes blocos de gelo. Este gelo que se desprende da parede, se formou há 300 anos atrás e vem constantemente “andando” da cordilheira para o lago. Outro fato que impressiona são os sons emitidos pela geleira em tempo quase integral. Estrondos equivalentes a trovões são ouvidos o tempo todo e intimidam mesmo depois de horas os ouvindo.

Paso Garibaldi, à caminho de Ushuaia

Retornamos à El Calafate quase no final de tarde. Estávamos cansados de tanto caminhar pelas plataformas em frente à geleira. A opção unânime foi descansar em nosso quarto para repor as energias para enfrentar a noite da cidade.

Às 19h00 pegamos nossas motocicletas e fomos até o centro da cidade. O intuito era jantar e comprar algumas lembranças para a família. Não sei se por se tratar de uma quarta-feira ou se por ser fora de temporada, mas a cidade começou a “fechar” por volta das 21h00. A maior parte do comércio (agências de turismo, lojas de roupas, lojas diversas e até Lan-House´s) estava encerrando suas atividades. Coisa incomum para uma cidade turística. Depois de nos alimentar e conseguir comprar os presentes para a família, voltamos ao hotel para preparar nossa bagagem para a partida na manhã seguinte. Dali para frente nossa viagem seria apenas de deslocamento, sem nenhuma “parada turística”. Porém, com as imagens mais impressionantes desses treze mil quilômetros rodados bem guardadas em nosso coração.

A volta: acordamos junto com um dia nublado e mais frio do que encontráramos naquela região até o momento. Malas prontas, seguimos viagem até Rio Gallegos onde voltaríamos para a Ruta 03 que nos levaria direto até Buenos Aires. Chegamos à capital portenha depois de quatro dias de viagem e quase três mil quilômetros rodados desde El Calafate por volta das 19h00. Como ficaríamos na cidade – que tanto eu quanto o Adriano já conhecíamos – apenas o suficiente para embarcar na manhã seguinte no Buquebus em direção à Colônia Del Sacramento no Uruguai, nos instalamos num hotel no centro mesmo. Próximo à área de embarque do navio e sem luxo algum.

Dia vinte e quatro de março, acordamos cedo e nos dirigimos ao embarque pois o check-in teria de ser feito antes das 8h30. Travessia feita, tudo correu perfeitamente bem e, depois de um dia em Montevidéu, chegamos novamente ao Brasil. Nossa entrada “em casa” foi por Chuí no Rio Grande do Sul. Depois de alguns dias de viagem pelo litoral gaúcho e catarinense – e uma breve parada em Florianópolis – estávamos de volta ao nosso ponto de partida. Com a alma plena de alegria e satisfação pelo sucesso de mais uma viagem, e com o hodômetro da moto marcando algo próximo a treze mil quilômetros há mais do que marcava quando partimos.

Veja as fotos da viagem aqui!

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